segunda-feira, 11 de maio de 2009

Quando cheguei no INES

Rio,11/05/2009

Conversando sobre o meu trabalho no INES - minhas considerações e observações(registro do ano de 2007)


Chegando ao INES em 1991, conhecendo muito poucos sinais em Lingua de Sinais, somente sinal de apresentação e reconhecimento de nome,comecei a me deparar com uma nova realidade a minha frente. A minha primeira reação foi tentar ler o máximo de literatura sobre o assunto surdez e iniciar por conta própria um estágio de reconhecimento da estrutura educacional do INES, visitando e assistindo vários segmentos do INES do pré-escolar às séries finais, chegando até ao meu setor de Jovens e Adultos.
Mais tarde, o próprio INES ofereceu Cursos em Língua de Sinais para nosso aprimoramento, e a partir daí comecei a pensar como é ser surdo, quem é esse surdo a minha frente, muitas vezes tão diferente dos surdos dos livros (!?). Propus a mim mesmo certos exercícios para como se diz “entrar na pele deles”, e realizar cursos que pudessem me ajudar a esclarecer certas questões pedagógicas, já que alguns alunos apresentavam uma real dificuldade de aprendizagem.
Iniciei além das avaliações que fazemos com desenhos livres, observando a temática, a localização espacial do sujeito, significados e outros dados, outras ações para entender esse aluno a minha frente, e utilizando posteriormente, estudos comparativos entre surdos e ouvintes.
Um dos estudos de observação foi verificar o uso dos seus sentidos, principalmente visual, auditivo e sinestésicos. Primeiramente com teste de acuidade visual simples, verificando se havia algum comprometimento visual e depois com testes de percepção visual observando a memória visual, discriminação visual, percepção do movimento, seqüência temporal e espacial, coordenação motora, da seguinte maneira:

1. Teste de acuidade visual através de símbolos.
2. Teste de memória visual com imagem estática e em movimento.
3. Teste de discriminação visual com imagens estáticas e em movimento.
4. Percepção do movimento.
5. Seqüência temporal e espacial.
6. Coordenação motora e espacial.

Foi elaborado material específico para os testes de reconhecimento visual com o emprego de desenhos para facilitar a leitura do surdo. Foram observados os critérios gestálticos da percepção humana, como:
• Percepção da forma e fechamento.
• Ilusão perceptual de tamanho, distância, proximidade, semelhança e contexto. Como também alguns exercícios com imagens para a associação e interpretação lógica do examinado.

A população alvo era constituída de turmas de quinta até oitava séries, de surdos adolescentes, jovens e adultos do ensino noturno, e turmas de ouvintes adolescentes e jovens de uma escola estadual com ensino médio, horário da manhã. A idade foi o principal argumento porque foi difícil encontrar jovens e adultos ouvintes no ensino de quinta a oitava séries. Por isso na avaliação da interpretação do teste de associação entre as imagens foram considerados os grupos isoladamente.
Dos exercícios propostos, as questões na sua maioria eram com desenhos e múltipla escolha, são elas:

1. Questões a, b, c, e d, seriam para assinalarem com (X) quais as figuras iguais.
2. Questões a, b, c e d, assinalarem a figura maior.
3. Questões a, b e c, para assinalarem quem estava mais perto, porém foi anulada porque não estava bem formulada e houve muita dúvida em ambos os grupos, porque não entenderam como seria esse mais perto.
4. De acordo com as figuras (somente duas) deveriam identificar os símbolos como juntos e separados.
5. Deveriam responder como viam o desenho abaixo, assinalando também com (X), de acordo com a percepção de agrupamento.
6. Idem n.5.
7. Se os círculos internos seriam iguais, respondendo com (X). Observação ilusão de ótica.
8. O que você vê? Questão de interpretação, com duas retas paralelas cortadas parcialmente por uma reta inclinada. Verificando respostas formais e informais em relação a escolaridade.
9. Associação de idéias de acordo com Vygotsky, porém não com palavras e sim imagens. Deveriam ligar com linhas os desenhos que combinavam e explicar essa associação.

Do resultado observado dos dois grupos avaliados – surdos e ouvintes:

A) Quanto às questões em relação à percepção visual e interpretação dos exercícios e atividades:

• Nos dois grupos houve algumas pessoas que quiseram esclarecimentos sobre o que era ser igual, ficaram inseguras em relação ao que responder na questão da observação dos círculos incompletos. Porém na observação dos triângulos a maioria respondeu que eram iguais. Dois surdos não sabiam a diferença dos sinais “igual e diferente”.
• Na ilusão perceptual também não houve grandes diferenças entre surdos e ouvintes. Porém alguns surdos confundiram as palavras “afastados” e “juntos” na hora de responder.
• Na questão da observação de duas linhas paralelas cortadas por uma inclinada, que se pedia uma interpretação do que se via 56% dos surdos deram respostas demonstrando aprendizagem geométrica (retas, paralelas, ângulos etc.) e 43% responderam sem influência desse tipo de aprendizagem formal (rua, agulha etc.). Entre os ouvintes 66% responderam demonstrando aprendizagem geométrica e 34%, responderam sem esse tipo de aprendizagem.
• Nos exercícios de discriminações visuais, foram cobrados atividades de reconhecimento de duas figuras iguais (ao todo três questões), os dois grupos também não tiveram uma diferença tão discrepante, o tempo do término da atividade foi em média entre 7 a 9 min, nesse momento alguns surdos demonstraram dificuldades quanto à percepção, errando a escolha das figuras e a lentidão em executá-las, não foi computado a explicação inicial pela dificuldade de compreensão de alguns surdos que não conheciam aquela atividade, diferente dos ouvintes que conheciam através de jornais, revistas infantis e outros. Somente quando no jogo de oito erros é que ficou mais clara a dificuldade em descobrir as diferenças, e alguns surdos quiseram abandonar e entregar o teste com só seis erros encontrados.
• Quanto à memória visual também não houve qualquer diferença significativa, somente um caso isolado no grupo de surdos. Uma surda com dificuldades de comunicação e compreensão porque não tinha LS, embora segundo os professores de Português excelente aluna. O exercício consistia em mostrar por alguns segundo uma forma e depois de retirada do campo visual, pedia-se que a desenhasse.
• O último teste de percepção visual teve como base o teste de Triagem da Função Visual Perceptomotora, a Escala de Wechsler, porém modificado e simplificado. Sendo desenhadas linhas e formas em movimento num campo à frente do meu tórax, a mesma idéia da LS quando sinalizamos um triângulo, por exemplo. Eram feitos movimentos que precisariam ser desenhados numa folha. Nesse exercício o grupo de surdos se destacou pela facilidade e rapidez em perceber o movimento, exceto essa mesma aluna que não conseguiu fazer nada, precisou-se repetir separadamente após todos terem feito, mesmo assim não conseguiu realizá-los. Os ouvintes se apavoraram porque nunca tinham feito aquele exercício, alguns ficaram nervosos e excitados, porém todos terminaram e fizeram a atividade, todavia mais lentamente que os surdos.

Minha conclusão foi que os surdos não apresentaram uma diferença tão significativa assim em termos perceptórios em relação aos ouvintes, que pudessem atrapalhar o processo ensino-aprendizagem, principalmente em relação à discriminação visual. Os surdos do horário noturno, devem então assim como os ouvintes desenvolver sua acuidade visual para um melhor aproveitamento no ensino formal, em especial a discriminação das letras e textos escritos, e principalmente aqueles com comprometimentos detectados devem passar por essa e outras avaliações para se tentar chegar o mais próximo de suas dificuldades.
Observa-se que os surdos do noturno possuem, por falta de trabalho anterior durante a infância, maior defasagem em relação a outros surdos que tiveram oportunidades de desenvolvimento, como também outros comprometimentos dependendo da causa da surdez, exemplo estes de doenças com seqüelas. (ver Anais do INES, 2007, texto de Roberta Pinheiro Lima).
A partir dessa observação resolvi nos anos que se seguiram realizar atividades de seqüência temporal e espacial, como também coordenação motora. Observou-se que alguns não conheciam essas atividades e precisei ensinar. No trabalho de lateralidade também demonstraram dificuldade em reconhecer direita e esquerda. Comecei então a colocar atividades com jogos lúdicos, brincadeiras com essas atividades de percepção e percebi também que com o passar dos anos, as turmas começaram a vir mais experientes e parei de aplicar esses testes, somente retornando quando algum aluno apresentasse sinal de dificuldade de compreensão ou outro comprometimento.

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